Maria de Lourdes Figueiredo ARAÚJO ®
- Nascimento: 23 Mai 1924, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde
- Casamento (1): Cláudio de Barros Barbosa VIEIRA ® a 23 Fev 1953 em Luanda, , Luanda, Angola
- Óbito: 16 Jul 2013, Lisboa, , Lisboa, Portugal com 89 anos de idade
Notas sobre o nascimento:
Cidade do Mindelo - Cabo Verde
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Eventos de relevo na sua vida:
• Nota biográfica:,. Tem dupla nacionalidade, caboverdiana e portuguesa. Viveu 33 anos em Sá da Bandeira, Angola. Em 1975 veio para Lisboa onde vive desde então. Trabalhou 25 anos no Serviço de Estatística de Angola. Está aposentada. Começou a trabalhar em cerâmica em 1985
• Foto do casamento: a 23 Fev 1953, em Luanda, , Luanda, Angola.
• Foto meia idade:
• Foto de família: 1963, em Angola.
• Morava depois de 1975 em Lisboa, , Lisboa, Portugal. Rua dos Soeiros 1500-580 Lisboa
• Maria divertia-se com artista plástica depois de 1985. Ceramista. Modelagem representando cenas do quotidiano da mulher cabo-verdiana rural da ilha de Santiago
• Foto - idade avançada: A trabalhar nas suas esculturas, em 2009,.
• Artigo na Imprensa / Notícia: no Liberal OnLine, a 4 Fev 2010,. 1 Um texto de Filomena Embaló
DO BARRO À VIDA
Cada ruga do seu rosto esconde uma mágoa secreta. A dobra das suas costas transporta o peso dos longos e fadigados anos da sua vida. Repetindo um ritual quotidiano, nha(1) Dona prepara a catchupa. Acocorada diante do improvisado fogão, abana as brasas do carvão para alimentar o fogo. A colher de pau repousa entalada entre a tampa e o caldeirão depois de ter dado uma volta ao manjar que fervilha ao lume. A serenidade estampa-se no seu rosto, acentuada por um sorriso cheio de doçura. Em que pensará nha Dona nesse preciso momento? Nas saudades dos filhos embarcados e dos netos que não vê crescer? Ou estará a dar graças a Deus por mais aquela refeição em tempo de seca prolongada?
Esta é uma das muitas figuras que brotam das mãos e do barro de Lurdes Vieira. Ceramista confirmada dá vida ao barro, materializando as recordações da sua infância e do imaginário colectivo de todos aqueles que, como ela, tiveles estavam que deixar as suas ilhas em busca de um outro amanhã.
Lurdes Vieira é cabo-verdiana, nascida há oitenta e quatro anos no Mindelo e criada na Praia. Aos dezassete anos rumou com os pais e irmãos para a terra longe de Angola. Sem saber, com ela levava um tesouro que só veio a dar por ele ao dobrar a esquina das suas sessenta primaveras: as raízes da sua cultura gravadas no mais profundo do seu ser, tais amarras de um navio que não se quer deixar levar ao sabor das correntes marinhas... E é esse tesouro que Lurdes Vieira partilha hoje generosamente numa homenagem à sua terra e às suas gentes.
Revelando desde sempre uma sensibilidade para as artes manuais, que preencheles estavam ao longo da sua vida os momentos de lazer da exímia funcionária pública que foi, a artista descobre muito mais tarde a arte de modelar o barro. E tudo aconteceu por acaso: um dia foi a uma olaria comprar material para os seus trabalhos. Cruzou com uma senhora que trazia um tabuleiro cheio de peças em barro para serem cozidas no forno do oleiro. Atraída e deslumbrada com aquelas figurinhas, comprou um pouco de barro para ver " o que poderia fazer"... Uma nova fase da sua vida iniciava nesse momento com a confecção da sua primeira obra: o busto de um velho, que espantosamente revelou a capacidade artística de Lurdes Vieira no maneio do barro.
A partir daí o trabalho desta matéria preencheu a sua vida aperfeiçoando-se ao longo dos anos, enquanto desenvolvia uma obra que se pode considerar de cariz etnológico. É, na verdade, através do barro modelado, a que insufla o sopro da vida com o sentir próprio da sua arte, que Lurdes Vieira conta o quotidiano do povo cabo-verdiano, cuja riqueza está na crença de si mesmo, na sua força, coragem e determinação num combate permanente de sobrevivência. E tudo isto transparece na obra da artista. Ao trabalhar o barro, estampa a alegria e a tristeza, a ternura e a força, a determinação e a resignação, o vigor da juventude e peso dos anos nas expressões das suas personagens. Crianças, mulheres e homens enchem-nos o coração de ternura deixando-nos com vontade de conversar com eles por sentirmo-los vivos e tão próximos!
É um regalo para os olhos o rosto terno da Mãe crioula amamentando o seu filho ou o Menino bambudo (2) adormecido nas costas da mamãe. Enche-nos de compaixão o Menino triste.
Apetece-nos dançar com as mulheres do Batuque (3) enquanto que nos nossos ouvidos ressoam o coro das vozes e o repicar da tchabeta (4). A Tocatina traz as recordações das serenatas em que a morna é rainha. O Par a dançar a mazurca, rigorosamente trajado à moda antiga, o Par a dançar o funan(5) e o Par a dançar a morna(6) embalam-nos nos movimentos dos seus corpos. E o tradicional ritual do Cola Sam Jom(7) transporta-nos para a festa graças aos seus mais pequenos detalhes em que não faltam o par de dançarinos, o dançarino com o barco e as conchas de enfeite…
Como nos dá vontade de desafiar para uma partida os Jogadores de uril ou brincar com o Menino da bola!
Ah! E quem não gostaria de provar a saborosa Catchupa de nha Dona preparada com tanto carinho e com o milho que a Cutchideira (8) pilou logo pela manhã?
Quantos corações não baterão perante a beleza serena e a sensualidade da jovem Crioula !
E quem não se revê na sua infância diante da Contadeira de estórias ou a receber a Benção da mamãe ou da vovó?
Sobe-nos ao nariz o cheiro da Pitada de cancã (9) e da Mulher grande fumando o seu canhoto (10) …
foto A vendedeira de atum traz a nostalgia do pregão < Atum, atum ! >.
Apetece-nos dar uma mãozinha ao Homem da enxada que de sol a sol luta pelo seu pão contra o chão ingrato e a chuva ausente...
E quem não se reconhece naquela família repleta de filhos Escadas que Deus dá em que os mais velhos ajudam a criar os mais novos ?
Não ficamos insensíveis à cumplicidade do Velho casal, fruto de um longo percurso nem sempre ameno. E nas rugas do Homem das ilhas, o velho badio(11), lemos a vida árdua do seu povo.
São estas algumas das peças da obra de Lurdes Vieira. Cada peça é uma homenagem aos pilares de toda uma sociedade: à mãe, à mulher, à família, às tradições e lutas pela vida... E de peça em peça vai contando o viver do seu povo.
São cenas da vida que a ceramista retrata e imortaliza nestas figuras, sob o olhar cúmplice de Cláudio Vieira, seu companheiro de há mais de 5¬6 anos. Cenas da sua meninice, certamente algumas já desaparecidas das tradições de hoje, mas que pertencem a um imaginário colectivo e ao património cultural de toda uma Nação. Cenas que, tal como ela, gerações de cabo-verdianos emigrados levaram consigo e transmitiram aos seus filhos e com elas as referências culturais das suas raízes. E Lurdes Vieira soube conservá-las intactas na sua memória, enquanto amadurecia em si essa arte de dar vida ao barro.
São formas, cores e expressões que brotam espontânea e naturalmente das mãos desta incontornável figura das artes cabo-verdianas que tem como uma das suas principais qualidades a humildade dos grandes seres.
(1) Senhora, dona
(2) Às costas
(3) Ritmo do batuque
(4) Dança, canto e música ritmada por uma cadência marcada por batidas com as mãos em rodilhas feitas com tecidos, interpretados por mulheres
(5) Ritmo do batuque
(6) Música e dança tradicional de Santiago, acompanhadas com ferro e gaita e mais recentemente com acordeão
(7) Música típica de Cabo Verde cantada com um acompanhamento de violino, viola e cavaquinho
(8) Ritual das festas juninas das ilhas do Barlavento
(9) Rapé
(10) Cachimbo
(11) Natural da ilha de Santiago
Maria casou com Cláudio de Barros Barbosa VIEIRA ®, filho de Manuel Lubrano de Santa Rita VIEIRA ® e Laura Branca de Barros BARBOSA VICENTE ®, a 23 Fev 1953 em Luanda, , Luanda, Angola. (Cláudio de Barros Barbosa VIEIRA ® nasceu a 10 Out 1922 em Assomada, Santa Catarina, Santiago, Cabo Verde, faleceu em Ago 2018 em Lisboa, , Lisboa, Portugal e foi sepultado em Ago 2018 em Lisboa, , Lisboa, Portugal.)
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